Lina Meruane em entrevistas

Lina Meruane é a autora do romance “Sangue no olho”, texto discutido no 7º encontro do Leituras dos Girassóis. O livro, que cativou os membros do clube, aterrissou no Brasil como resultado da intervenção de Livia Deorsola, editora brasileira especializada em literatura hispano-americana. Sob os seus cuidados, a extinta editora Cosac Naify publicou a primeira edição do texto que, em 2018, entrava para o catálogo da SESI-SP editora, assim permanecendo ao alcance do público brasileiro.

Meruane nasceu no Chile e tem ascendentes palestinos. Vive hoje nos Estados Unidos, a partir de onde concilia sua atuação no campo da literatura com a carreira de professora universitária.

Lina Meruane – Foto de Daniel Mordzinski

Como toda leitora, tem seus livros prediletos – veja aqui e aqui. Enquanto alguém envolvida com a produção e o ensino de literatura latino-americana, tem escritores brasileiros sob o radar, como Clarice Lispector, que é ucraniana de nascimento, e Nélida Piñon, a imortal filha de espanhóis. Da primeira, Meruane se dedicou a analisar o conto “Legião estrangeira”. À segunda, fez referência em seu ensaio “Contra os filhos”, lançado no Brasil pela editora todavia, texto lido e comentado por escritores como Tércia Montenegro, Maria Clara Drummond e Sérgio Tavares.

A seguir listamos algumas das entrevistas concedidas por Meruane, aproveitando para destacar trechos que tratam de sua relação com a América Latina, de como entende a literatura, de seu romance “Sangue no olho” e, finalmente, de como se percebe. Como incentivo à leitura, ressaltamos que “Sangue no olho” é um ótimo romance. E que mesmo nas ocasiões em que o entrevistador não esteve à altura da tarefa, as considerações de Meruane acrescentam, nos instigando, portanto, a procurar por seus escritos e a demandar por mais traduções deles.

Vejamos:

  • Sobre a relação da Lina migrante com a América Latina:

Você mora nos EUA há anos. Você se enxerga mais próxima da literatura latino-americana ou da tradição norte-americana?

Sempre prestei muita atenção à produção literária da América Latina, e me mudei para Nova York para fazer um doutorado em literatura latino-americana. Essa é, portanto, a tradição que conheço melhor, e com a qual continuo dialogando. Leio certos autores norte-americanos (e vejo suas peças e seus filmes), mas não mais do que os europeus de modo geral, e com certeza leio menos norte-americanos do que franceses. Mas não importa tanto o lugar de onde se escreve: o que me interessa em um autor não é seu local de origem e sim a sua maneira de entender o literário, o modo de escrever, sua relação com certas tradições. Para mim, Faulkner é tão grande quanto Beckett, Woolf como Gertrude Stein, Mishima como Celine etc. No contemporâneo os temas e os ecos da literatura de nosso continente ressoam mais em mim, e minha escrita se articula com e certamente contra essa tradição. (1)

Como marca sua literatura o fato de viver fora de seu país?

A maneira que eu percebo é um pouco distinta da sua, eu vejo os escritores do meu tempo se movendo em muitas direções e para destinos distintos. Há um dinamismo não tão simples de ser traçado nem geográfica nem historicamente… Eu pertenço a uma família de migrantes; está na minha tradição estar inscrita no nomadismo e um tema recorrente quando nos encontramos é… a situação de nossas malas! Há sempre uma maleta ao redor da conversa e também, isso percebi muito depois, em meus romances. Sempre a protagonista está viajando, e a distância lhe permite ver o que deixa de maneira crítica. É como se as protagonistas de meus romances precisassem ver de longe para ver bem. (2)

Cortázar declarou que um dia se deu conta que ser um escritor latino-americano significava fundamentalmente que havia de ser um latino-americano escritor: havia de inverter os termos e a condição de latino-americano, e colocar isso também no trabalho literário. Como é ter o papel de uma escritora chilena em Nova York?

Cortázar foi, durante anos, um escritor cem por cento argentino e teve que se converter em latino-americano como acontece com muitos de nós quando vivemos no exterior. Do exterior, o impulso para juntarmos todos em um mesmo saco latino-americano é muito forte, simplifica as coordenadas e anula as diferenças, permite as generalizações. Eu continuo me sentindo uma escritora chilena, e reivindico acima de tudo política e solidariamente a minha latino-americanidade, mas estou permanentemente sub-estimando o fato de que há muita disparidade interna, não somente entre os países como também entre classes e etnias, verdadeiras batalhas silenciosas às quais se deve prestar atenção. Eu gostaria de acreditar que o que posso fazer neste território é ampliar um pouco os espaços da literatura latino-americana através do ensino das nossas culturas e literaturas, ou pelas conversas sobre livros maravilhosos produzidos em pontos diversos do continente e por escritores que sendo latino-americanos vivem no exterior, e também apoiando a possibilidade de que continuem falando as nossas diversas línguas nos Estados Unidos ao invés de passarmos todos à língua dominante. (3)

  • Sobre a literatura:

Há na literatura alguma ponte de salvação?

[…] O que penso é que a missão da literatura não é a da mobilização e, nem sequer, a da empatia com o outro: são efeitos desejáveis mas esta não é a sua missão, porque se a literatura se dedica a isso acaba se tornando propaganda com a pretensão de convencer. A literatura deve colocar perguntas e não resolvê-las, deve nos levar a pensar inclusive em questões contraditórias, deve nos levar a aprofundar sobre os conflitos humanos. Assim algo pode acontecer mas este algo profundo é raramente imediato: é um efeito a longo prazo e nunca, a salvação. (3)

Precisamente, todo o romance está imerso em debates éticos. Qual é o limite ético da literatura?

Eu queria dizer algo que fosse muito ético, mas lamentavelmente não vejo limites éticos dentro da literatura. Se quisermos ver cara a cara a monstruosidade que somos, há que se mostrar precisamente esses lugares onde toda a ética foi perdida, há que insistir nessas zonas escuras, ambíguas, remexer nesses limites incômodos, às vezes intoleráveis. Talvez aí se possa extrair, por oposição, uma ética, e um escritor ou escritora esperaria que essa tarefa cumpram os leitores: a de reagir ante o que se lê, a de refletir de maneira mais complexa sobre o que se coloca, a de se propor a participar eticamente, desde essa terrível claridade, do cenário social. (2)

  • Sobre o romance “Sangue no olho”:

Sangue no olho é sua primeira obra publicada no Brasil. Como ela se relaciona com o restante de sua obra ainda inédita em português?

Todos os meus livros, penso, são diferentes; cada um foi respondendo, ou tentando responder, a uma pergunta que, no momento, era urgente. Comecei trabalhando no território da infância feminina, examinando as maneiras como as meninas são educadas para serem mulheres, o disciplinamento feroz pelo qual passamos: eu estava interessada em mostrar essa zona obscura e indisciplinada da infância. Nisto se encaixam os meus três primeiros livros escritos no Chile, e talvez não seja tão estranho o fato de que eu os escrevi neste país, pois a disciplina também faz parte da ditadura na qual cresci. A saída do Chile há quinze anos introduziu novos cenários (Chile e Estados Unidos como paisagens distintas, mas também como vasos comunicantes. Bem ou mal, o meu país foi um laboratório de experimentos neoliberais dos anos oitenta) e novos temas, o que você mencionou antes, o da doença. Talvez o que todos os meus livros tenham em comum é que no centro há o corpo de uma mulher que resiste a certas normas, que leva as lógicas imperantes a extremos que podem ser prazerosos e redentores, mas também sinistros. (1)

Caso houvesse uma inversão de papéis em Sangue no olho e fosse a protagonista que cuidasse do outro, como seria? As mulheres se veem em posição mais vulnerável quando acometidas por uma doença, ou o gênero não importa?

O gênero importa muito. Historicamente, as mulheres prezam o sacrifício como um valor: a mãe deve se sacrificar por seu filho, o pai contribui; a esposa se sacrifica pelo marido mas não deve esperar o mesmo de volta; a filha se sacrifica pelos pais e, sobretudo, pela mãe porque lhes deve a vida enquanto seus irmãos se apoiam nela… Isso está poderosamente inscrito na cultura e se reforça o tempo todo através de discursos múltiplos sociais. Quando as mães conseguem dizer não aos pedidos de seus filhos sem sentirem culpa ou serem culpadas? Quando, na intimidade de um casal, a mulher logra colocar as suas necessidades acima da dos outros como quase sempre fazem os outros? Não são as filhas que se encarregam de cuidar dos pais idosos mais frequentemente? Não digo que sempre seja assim, o que digo é que custa mais às mulheres deixarem de agir assim porque foram educadas para servir e para sentir que os seus desejos e talentos possuam menos valor. Isso segue sendo assim e é difícil enxergar. Quando tenho alguma dúvida na minha vida pessoal, sempre, como regra, inverto a situação e penso no contrário: o que fariam o meu parceiro, o meu irmão, o meu pai ou o que faria nesta situação se eu fosse um homem? Não é que queira ser um homem, isso nem me passa pela cabeça. Nada mais é do que um exercício que me permite ver até que ponto obedeço ao chamado de uma regra cultural retrógrada e reajo a um desejo. Para não me prolongar, foi isso precisamente o que fiz ao escrever o meu romance, dar uma volta na relação do gênero e ver a situação clássica desde a sua inversão. Acredito que o que surpreende aos leitores é precisamente esta inversão: aí se enxerga as coisas muito melhor, e elas assustam muito mais. (3)

Tu último libro, Sangre en el ojo, fue publicado en distintos países de Europa como Francia, Alemania, Reino Unido, Italia y Holanda. ¿Cuáles crees que son las principales diferencias entre la recepción de tu obra en Europa y en América Latina?

Es difícil saber, yo no ando a la caza de las reseñas de mis libros pero mi impresión es que no hay una distinción clara entre Europa y América Latina, ese trazo continental es demasiado grueso. Hay muchas diferencias culturales e ideológicas y expectativas literarias entre los países de Europa así como entre los países americanos. Y además, en cada uno de esos lugares hay importantes diferencias de género, clase y raza, que se reflejan en la lectura, entonces no lo sé. Solo anecdóticamente te puedo comentar que  mientras que en Chile nadie leyó el contenido político de mi novela, en Italia no dejaron de reparar en los escasos momentos en que se comenta la relación entre cuerpo enfermo y dictadura, y mientras en Brasil algunos lectores celebraron la escena sexual en el avión, nadie más dijo nada, al menos que yo sepa sobre esto. Y en las sucesivas presentaciones de mi libro, hay lugares donde el público percibe el humor negro del libro y otros donde la respuesta es sería y acongojada. (4)

A protagonista disse em uma conversa com sua professora que só há um escritor cego. Imagino que tenha pensado em Borges, mas há na literatura ocidental certa corrente da literatura da cegueira. Você pensou nessa questão quando escrevia o livro?

Era Borges a figura, com efeito, porque a cegueira de Borges é única. Borges fica cego aos 50 anos, no momento em que começa a ser internacionalmente reconhecido, e fotografado. O rosto de Borges, com a vida perdida, com suas mãos de sábio sobre a bengala, é uma imagem icônica, indelével. É o grande cego da nossa literatura contemporânea. Não é que Lucina não saiba de Homero, de Milton, de Joyce. Então, o que ela quer dizer é que o grande, o contemporâneo, o cego terminal que os latino-americanos recordam é Borges. Por isso você adivinha. (2)

Foi influenciada por algum livro específico de um escritor cego (Borges é uma referência clara), ou sobre a cegueira de modo mais amplo?

[…] Eu tinha lido os livros mais canônicos da cegueira latino-americana, como “Sobre heróis e tumbas”, de Ernesto Sabato, e esse fabuloso conto de Clarice Lispector chamado “Amor”, mas meu romance não surge dessas leituras específicas, e sim da literatura da enfermidade, que enfrentei enquanto escrevia minha tese de doutorado. (5)

  • Sobre Lina Meruane:

En tus obras queda en evidencia el papel de la lectura, del ejercicio de la escritura, pero también el de las redes intelectuales y el de los afectos que se forman entre escritores, académicos e investigadores. ¿Se podría decir que el escritor contemporáneo ya no escribe aislado del mundo? ¿Cuál sería el lugar de la escritura y lectura en tu cotidianidad?

Pienso que hay muchas maneras de ser escritor; por resumir un poco y generalizar otro poco, diría que hay tres posiciones. Una es la del quien se plantea el aislamiento, el silencio, el bajo perfil que a veces es una decisión literaria y otras responde a la timidez o a la fobia social. Otra es la de quien piensa la escritura como plataforma mediática para obtener un estatus de celebridad, ahí hay mucha sobrexposición que puede acabar por distorsionar la propia escritura al volverla un medio para lograr un fin de orden publicitario. Ese es el lugar más peligroso y entre los dos extremos yo valoro más el del retraimiento de quien escribe por una necesidad íntima. Lo que me pasa a mí es que aunque necesito mucho silencio y tiempo para escribir, soy un animal social. Me da curiosidad la gente, me atrae hablar con gente y escucharla, y por supuesto me disgusta a ratos pero hay algo que me importa en el diálogo y en la discusión. Por eso formo redes, por eso presento mis libros, me importa la sala de clases donde la lectura, la escritura y la reflexión provocan algo fresco, por eso escribo ensayos que pretenden interpelar y columnas de opinión (aunque muy pocas ahora porque cansa mucho esa búsqueda de nuevos temas e ideas, yo no tengo tantas ideas, me conformo con tener unas poquitas, necesito tiempo para reflexionar y posicionarme en lo que ocurre cotidianamente). Todo eso es el espacio donde ocurre lo político y eso para mí es central en mi obra y en mi vida de los afectos. (4)

Ao discutir Ensaio sobre a cegueira, José Saramago declarou: “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”. Ao escrever Sangue no olho, você compartilha desta angústia sentida por Saramago?

São raras as vezes em que penso no leitor enquanto escrevo, eu não saberia dizer quem é o meu leitor… e muito menos como é, o que quer, o que busca. Por melhor ou pior que seja, eu sou a única leitora que posso imaginar e a única que posso agradar além de incomodar. Isso me dá uma enorme liberdade na hora de escrever, uma liberdade para ir até onde deva ir um romance mesmo quando este destino seja extremamente estranho e cruel. Nunca tratei com pena a leitora que eu sou, busco levar o romance até certos limites, fazer ver certas coisas que nem eu sei quais são quando começo a escrever. Por outro lado, sinceramente não acredito que os leitores adultos não saibam o quão cruéis nós, os seres humanos, somos. Não é essa a realidade que poderiam descobrir nem no meu romance ou em algum outro. Tenho a impressão de que não é a crueldade e sim os modos sofisticados em que, às vezes, aparece, os meios utilizados, as perguntas que nos obriga a fazer. Outra diferença que sinto perante esta afirmação de Saramago é que não sofro enquanto escrevo, por mais que a cena seja terrível. Não sofro com os personagens, não sofro com as suas digressões: toda a minha energia se volta para o material da escrita e não na sua profundidade moral. Se a frase não sai, se a cena não tem força, se o personagem não se estrutura, é quando me desespero. Sei que é bem-visto um escritor sofrer ao escrever — é um legado do romantismo, penso às vezes; noutras, penso que sofrer ou dizer que se sofre é uma justificativa necessária ao escritor perante o mundo quando não tem que se levantar de manhã cedo, tomar um ônibus lotado, e passar horas em um escritório ou uma fábrica. Tenho um trabalho em tempo integral, não tão sacrificado quanto o do operário ou do burocrata, é certo, mas talvez porque não preciso destas justificativas, posso dizer que desfruto muito quando tenho a chance de tirar tempo para escrever e encontro sucesso na execução de um texto que alcança até onde deve ir. Isso é o que sinto quando escrevo ficção, o grande prazer da escrita por si só, até quando o que esteja contando seja terrível, sei que se trata de um artifício. Dito isso, reconheço que senti algo bem diferente ao escrever o meu livro sobre a situação palestina, e creio que o sentimento foi assim porque estava falando das vidas reais das pessoas que sofrem e que são violentadas sistematicamente por outras: aí, sim, eu me vi muito comovida e indignada. (3)


Por fim, textos da escritora e afins:

  • Um excerto de Sangue no olho (Cosac Naify, 2015)
AMANHÃ

(Cá estou. Lá vou eu. Olhando outra vez pela janela do táxi, com o olhar fixo, tentando, da estrada, captar um pouco do horizonte, a silhueta agora oca de duas torres pulverizadas, a linha do céu mutilada junto ao brilho tênue do rio salpicado de estrelas, o néon do History Channel deslumbrante sobre a água. Vejo tudo sem ver, vejo tudo através da lembrança do já visto ou através dos teus olhos, Ignacio. Os faróis do táxi rasgavam uma leve neblina noturna de papel e metais chamuscados que se negava a se esfumar, grudava no vidro e o embaçava. O turco ultrapassava alguns carros aos trancos, mas também deixava outros nos ultrapassarem, velozes, buzinando. Vocês cochilavam, talvez tenham até caído no sono, embalados pelas inclementes aceleradas e freadas. Acomodei a testa na janela e fechei os olhos até ser sacudida, Ignacio, por tua voz, tão nova em minha vida que às vezes eu demorava a reconhecer como tua, tua voz que, aliás, mudava de tom quando você falava em outra língua. Era uma voz para dar instruções em inglês ao motorista do táxi: que saísse pela próxima exit, que virasse para o oeste, que seguisse em direção à Washington Bridge, ainda acesa no horizonte. Não tínhamos planejado cruzar aquela ponte enferrujada, não estávamos indo para o subúrbio, do outro lado, onde eu morei um dia e para onde nunca pretendi voltar. Estava voltada para o presente, eu, isso era tudo o que eu tinha enquanto deixávamos Julián na esquina do prédio dele e prosseguíamos para o teu, que agora era o nosso. E quando ficamos sozinhos você segurou meu rosto para que eu me virasse e te olhasse. Para que você pudesse me olhar. Teus olhos não percebiam nada de extraordinário, não viam o que havia atrás de minhas pupilas. Foi muito? Muito mais do que antes, falei, sombria, mas talvez amanhã. Amanhã você vai estar melhor. Mas amanhã já era hoje: só faltava clarear e as luzes mortiças serem eclipsadas pelo sol. Coroado com um turbante o turco parou de repente e escorregamos para frente. Não se mova, você disse, e depois senti a porta batendo, e você deve ter dado toda a volta para abri-la para mim, me dar a mão, me avisar que abaixasse a cabeça. Vendo-nos de longe, qualquer um diria que estávamos saindo de outro século, não de um carro. Descemos da máquina do tempo de braços dados e assim subimos a escadaria até o elevador e os cinco andares. Assim avançamos pelo corredor até o tilintar das chaves na fechadura. O ar parado do apartamento nos recebeu. O calor veio de todos os cantos, do chão sem tapetes, das paredes completamente nuas, das infinitas caixas que pareciam cheias de carvão em brasa em vez de livros. Havia dias que empacotávamos as coisas para uma mudança iminente. Por um corredor segui direto para o quarto, você entrou atrás: cuidado, deixei um copo d’água aqui pra você. E nos jogamos na cama e nos abraçamos apesar da umidade e, ungidos de suor, adormecemos. E na manhã seguinte você levantou as persianas e sentou na minha frente esperando eu acordar, não sei se do meu sonho ou da minha vida. Mas eu estava insone havia horas, sem coragem de abrir os olhos. Lina? Levantei uma pálpebra, depois a outra, e para meu espanto havia luz, um pouco de luz, luz suficiente: a sombra sanguinolenta não tinha desaparecido do olho direito, mas a do esquerdo se precipitara para o fundo. Eu só estava meio cega. E por isso aceitei teu café e o levei à boca sem hesitar, por isso até sorri, porque, apesar de tudo. E você estava ali, como outro caolho, sem entender o que tinha acontecido. Não podia calcular a gravidade. Não se animava a fazer todas as perguntas. Guardava-as para si, amarrotadas, como agora, nos bolsos.)


  • Um depoimento sobre o ensaio “Contra os filhos” (2014):
Lina Meruane




  • O conto “Amor”, de Clarice Lispector.

À leitura!

Home, poema de Warsan Shire

Warsan Shire nasceu em 1988, no Quênia, e cresceu na Inglaterra, para onde se mudou com os pais que migravam para se afastar de uma guerra instalada em sua terra natal, a Somália. Hoje a poeta vive nos Estados Unidos e vem lapidando uma carreira mantida em estreita conexão com o audiovisual. Ela gosta “da ideia de unir diferentes formas de arte e de mostrar a fluidez que pode ser encontrada na junção de pessoas e de processos”. Sua atuação neste campo de maior repercussão resulta de uma adaptação que realizou de seu poema “For women who are difficult to love” para as músicas e o vídeo que dão sustentação ao álbum “Lemonade”, de Beyoncé.

No campo literário, Warsan coleciona alguns prêmios, como o Young Poet Laureate for London, que lhe foi conferido em 2013, e tem contribuído para a visibilização de experiências de mulheres, de imigrantes e de refugiados. Ela também tem explorado temas como a solidão e a desigualdade entre os gêneros. E nesse processo, tem contribuído para que reflitamos sobre o que significa pertencer a territórios e a culturas e, inevitavelmente, sobre o(s) sentido(s) que atribuímos à palavra “lar”. Em 2012, quando perguntada a respeito do termo, admitiu: “Eu ainda me sinto sem um lar. Eu moro em Londres e vivi aqui quase a minha vida toda, mas é difícil se conectar com a cidade. Eu tenho viajado por aí e venho notando o meu corpo significar mais em outros lugares. Mas eu comecei a entender o que significa pertencer, então eu anseio explorar diferentes países para notar o quão plenamente eu posso me sentir em casa em um lugar que, no fim das contas, não é o lugar de onde eu venho. Talvez o meu lar esteja em um lugar para onde estou indo e onde nunca estive antes”.

Essa projeção do próprio lar no futuro é o que impele refugiados a deixarem espaços que os rejeitam ou ameaçam, munindo-se de coragem e de esperança enquanto anseiam pela possibilidade de inaugurar uma vida em um território outro, de que, normalmente, têm poucas referências. Warsan registrou traços da brutalidade que compele humanos a esse tipo de jornada em seu poema “Home” (“Lar”), que apresentamos a seguir, renovando seu convite para uma reflexão sobre como transtornamos lugares e pessoas e sobre nossa (in)disposição em acolhê-las na sequência.

 Home

no one leaves home unless
home is the mouth of a shark
you only run for the border
when you see the whole city running as well
 
your neighbors running faster than you
breath bloody in their throats
the boy you went to school with
who kissed you dizzy behind the old tin factory
is holding a gun bigger than his body
you only leave home
when home won’t let you stay.
 
no one leaves home unless home chases you
fire under feet
hot blood in your belly
it’s not something you ever thought of doing
until the blade burnt threats into
your neck
and even then you carried the anthem under
your breath
only tearing up your passport in an airport toilets
sobbing as each mouthful of paper
made it clear that you wouldn’t be going back.
 
you have to understand,
that no one puts their children in a boat
unless the water is safer than the land
no one burns their palms
under trains
beneath carriages
no one spends days and nights in the stomach of a truck
feeding on newspaper unless the miles travelled
means something more than journey.
no one crawls under fences
no one wants to be beaten
pitied
 
no one chooses refugee camps
or strip searches where your
body is left aching
or prison,
because prison is safer
than a city of fire
and one prison guard
in the night
is better than a truckload
of men who look like your father
no one could take it
no one could stomach it
no one skin would be tough enough
 
the
go home blacks
refugees
dirty immigrants
asylum seekers
sucking our country dry
niggers with their hands out
they smell strange
savage
messed up their country and now they want
to mess ours up
how do the words
the dirty looks
roll off your backs
maybe because the blow is softer
than a limb torn off
 
or the words are more tender
than fourteen men between
your legs
or the insults are easier
to swallow
than rubble
than bone
than your child body
in pieces.
i want to go home,
but home is the mouth of a shark
home is the barrel of the gun
and no one would leave home
unless home chased you to the shore
unless home told you
to quicken your legs
leave your clothes behind
crawl through the desert
wade through the oceans
drown
save
be hunger
beg
forget pride
your survival is more important
 
no one leaves home until home is a sweaty voice in your ear
sayingleave,
run away from me now
i dont know what i’ve become
but i know that anywhere
is safer than here

Aproveite também para ler uma tradução do poema para o português e para ouvi-lo sendo declamado, pela escritora inclusive – confira aqui e aqui.


Bennet Omalu, um gigante

Bennet Omalu é nigeriano e atua na área da saúde nos Estados Unidos. Patologia forense e neuropatologia compreendem suas áreas de atuação no âmbito clínico. Já enquanto pesquisador, Omalu se dedica, por exemplo, a investigar a encefalopatia traumática crônica em esportistas e o transtorno do estresse pós-traumático em militares veteranos1.

Bennet Omalu
Bennet Omalu

Omalu saiu do anonimato quando seus estudos o conduziram à identificação de uma doença, a encefalopatia traumática crônica (ETC). Essa descoberta pôs em evidência danos específicos e gravíssimos à saúde mental de atletas sujeitos a pancadas em suas cabeças enquanto treinando ou jogando – tal como acontece com jogadores de hóquei no gelo e, particularmente, com jogadores de futebol americano. Por temer prejuízos, a liga estadunidense de futebol americano fez o que esteve a seu alcance, no começo deste século 21, para desacreditar Omalu, questionando, publicamente, a validade dos resultados da pesquisa que ele vinha desenvolvendo.

Bennet Omalu e Julian Bailes
Bennet Omalu e Julian Bailes

I think it was an amalgamation of faith and science that made me even to save his brain [Mike Webster’s brain]. I had no reason examining that brain the way I did. I did not know what I was looking for […] Bennet Omalu, fevereiro de 2016.

Os avanços científicos e os percalços sociais divisados por Omalu em decorrência da repercussão de sua descoberta foram registrados por Jeanne Marie Laskas, primeiramente em uma reportagem para revista GQ, e em seguida, em um livro. Eles também serviram de inspiração para um filme concebido por Ridley Scott e dirigido por Peter Landesman, lançado em 2015.

Intitulado “Concussion”, o filme surgiu identificado pelo título “Um homem entre gigantes” no Brasil. Nele, Omalu foi interpretado por Will Smith, que se empenhou na materialização da prosódia do inglês nigeriano, recebendo, dentre outros, o Variety Creative Impact in Acting Award, no Palm Springs International Film Festival de 2016, por sua atuação.

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Omalu não é único imigrante a ser retratado no filme em questão. A narrativa fílmica também nos apresenta a Prema, jovem enfermeira queniana que foi para os Estados Unidos, para dar continuidade a seus estudos. Na “vida real”, o vínculo entre Omalu e Prema se estreitou enquanto ambos frequentavam a mesma igreja. Eles namoraram, casaram-se e hoje têm dois filhos.

Bennet Omalu, Prema Mutiso e seus filhos Mark e Ashly
Bennet Omalu, Prema Mutiso e seus filhos Mark e Ashly

Em “Um homem entre gigantes”, Prema ocupa um espaço secundário e não se menciona sua contribuição para os estudos de Omalu. Ela é interpretada pela inglesa Gugu Mbatha-Raw, que também tem histórias de imigração na família. O pai da atriz, por exemplo, que é próximo dela, é sul-africano e vive na Inglaterra. A própria Gugu tem realizado cada vez mais trabalhos nos Estados Unidos. Em janeiro de 2015, ela vivia em West Hollywood, na Califórnia, e sempre que possível, visitava regiões do entorno que lhe permitissem ter um contato maior com a natureza, tal como acontecia na região em que cresceu2.

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O mais interessante da história de Omalu talvez seja a constatação de que sua idealização dos Estados Unidos não constituiu um entrave para o desenvolvimento de suas pesquisas. O país, é claro, lhe ofereceu a infraestrutura para que sua curiosidade, sua dedicação à ciência e seu compromisso com a integridade humana se conjugassem de forma a permitir que interessados por esportes de alto impacto começassem a praticá-los conscientes dos riscos que correrão – inclusive, este público está cada vez mais perto de poder contar com medidas profiláticas, capazes de amenizar danos cerebrais causados por sua prática esportiva.

Mas a sociedade que primeiro usufruirá desses benefícios é a mesma que a princípio rejeitou modos de pensar, de fazer e de ser que percebeu como alheios e, por isso, como menores. A rejeição a Omalu, tachado como um estrangeiro desrespeitador de um esporte caro aos estadunidenses, e os inúmeros respingos da dificuldade deste povo em reconhecer o mérito de um negro que fez transcender seu campo de atuação, assim, deixando claro sua perícia para atuar na ciência, área que muitos querem ver embranquecida, certamente respondem por vários dos obstáculos enfrentados por Omalu enquanto imigrante, especialmente enquanto alguém que deseja se integrar em uma sociedade que não é originalmente a sua ao mesmo tempo em que procura preservar quem é.

Indiretamente, sua história nos faz pensar no papel a ser desempenhado por sociedades receptoras que desejem ser também acolhedoras, fomentando a aceitação entre pessoas de países diferentes ou provenientes de regiões diferentes de um mesmo país, para que aquilo que as aproxima seja alçado ao primeiro plano de suas vidas. Dez anos depois da publicação do primeiro artigo de Omalu sobre a ETC, uma pesquisa conduzida pelo Departamento de Assuntos dos Veteranos do governo dos Estados Unidos e pela Universidade de Boston encontrou evidências dessa doença em 87 indivíduos de um conjunto de 91 ex-jogadores da liga estadunidense de futebol americano3. Curiosamente, nessa mesma época Omalu dizia acreditar ainda não ter sido aceito pelos Estados Unidos. Para ele, ainda aconteciam coisas em sua vida que o faziam lembrar-se de que era um “outsider”4.

I was naïve. […] There are times I wish I never looked at Mike Webster’s brain. It has dragged me into worldly affairs I do not want to be associated with. Human meanness, wickedness, and selfishness. People trying to cover up, to control how information is released. I started this not knowing I was walking into a minefield. That is my only regret. Bennet Omalu, setembro de 2009.

United Status Sports Academy
Dr. Bennet Omalu recebeu o Dr. Ernst Jokl Sports Medicine Award, em 2016, da Academia de Esportes do Estados Unidos, o maior prêmio dessa academia em Medicina do Esporte. Photo: United States Sports Academy.

Quantas histórias como a de Bennet Omalu precisaremos conhecer para que nos envolvamos com a desconstrução das subalternidades e assumamos a integração de diversos enquanto um gesto sociopolíticopsicocultural com potencial emancipatório? E por que não agora?

Mais informações no site da Edufba.
Mais informações no site da Edufba.

 

Sonho africano, de Francisca Júlia

Ei-lo em sua choupana. A lâmpada, suspensa
ao teto, oscila; a um canto, um velho e ervado fimbo.
Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo
cor de cinábrio em torno à carapinha densa.

Estira-se ao chão… tanta fadiga e doença!
Espreguiça e boceja… o apagado cachimbo
na boca, nessa meia escuridão de limbo,
mole, semicerrando os dúbios olhos, pensa…

pensa na longe pátria… as florestas gigantes
se estendem sob o azul, onde, cheios de mágoa,
vivem negros pituns e enormes elefantes…

calma em tudo. Dardeja o sol raios tranquilos…
desce um rio, a cantar… coalham-se à tona d’água,
em compacto apertão, os velhos crocodilos…

Francisca Júlia (1871-1920) é uma escritora cuja produção poética alinha-se com o Parnasianismo e com o Simbolismo brasileiros. Discriminada e exaltada na época em que escrevia, merece ser redescoberta pelas editoras de livros didáticos, algumas das quais tendem a lhe conceder um espaço secundário em suas publicações que enfocam a produção literária brasileira do final do século XIX.

O poema “Sonho africano” aparece com sua ortografia atualizada em alguns sites. Em alguns, inclusive, o termo “pituns”, que aparece no 11º verso do poema, foi trocado pelo vocábulo “répteis”. Considerando que o substantivo mágoa foi então grafado pela escritora como “magua” (10º verso do poema) e que a atualização ortográfica do termo “pituns” pode, quem sabe, ter seguido o mesmo padrão, convertendo-se em “pítons”, chegamos a um termo que designa alguém que faz profecias, um adivinho, digamos assim. Logo, nos deparamos com duas versões do mesmo verso, as quais apontam para imagens bem diferentes:

  • “[Na longe pátria, onde] Vivem negros répteis”
  • “[Na longe pátria, onde] Vivem negros adivinhos”

Um filólogo ou linguísta, possivelmente, poderá nos explicar como a expressão eleita pela escritora, isto é “pituns”, vem se alterando e, inclusive, o que sustenta a divulgação do poema atualmente com o termo “répteis” em seu lugar. Até que este mistério seja desvendado, cabe ao leitor de Júlia manter esses cenários em perspectiva, especialmente por sabermos do zelo envidado pelos parnasianos no processo de descrição de imagens.

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A viagem, de Tatiana Pinto

Algumas vezes nosso lar não basta. E aí nos sentimos tentados a sair pelo mundo, para superar o vazio que nos enche, para deixar de lado aquilo que começa a parecer pequeno.

Inaya foi ao encontro de familiares apartados de casa, lançados à busca desse algo mais, em outro espaço. Mas sua história comporta muito mais do que o resgate de não-retornados. É uma história de crescimento, pelo desafio a convenções desajustadas, como retribuição a gestos solidários, resultante de um querer ser mais que mantém outros em perspectiva, quiçá juntos de si. E para além de Inaya, há Wimbo que, sem sair do lugar, lança as sementes para a criação de um mundo justo com meninas e mulheres. E fora do texto, a Kapulana, que, num ir e vir, tem tornado acessíveis ao público brasileiro textos expressivos da literatura africana.

Neste “A viagem”, de Tatiana Pinto, há ainda um trabalho de ilustração lindo que nos põe em contato com outros dois artistas moçambicanos: Tomás Muchanga e Luís Cardoso. Um negro, o outro branco, um artesão, o outro designer, aliam-se à viajada Tatiana Pinto no propósito de fazer a cultura moçambicana atravessar fronteiras. Que os recebamos bem!

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Migração: o Brasil em movimento pela lente da ONG Repórter Brasil

Ao mesmo tempo em que a literatura favorece o conhecimento da vida social, o conhecimento desta contribui para que desenvolvamos nossa competência interpretativa ou, em outras palavras, nossa capacidade leitora. É por isso que recomendamos a leitura da cartilha Migração: o Brasil em movimento, elaborada pela equipe da ONG Repórter Brasil, no âmbito do programa “Escravo, nem pensar!”. Trata-se de um material superdidático que contempla os fluxos migratórios de brasileiros para o exterior e o interno, bem como a imigração, ou seja, a chegada de estrangeiros ao país, para viver aqui ou para daqui partir rumo onde desejam estar.

A questão econômica impulsiona muitos desses deslocamentos e não é incomum que essas experiências venham acompanhadas de situações de vulnerabilidade laboral, já que a conquista de um emprego digno, em muitos países, é um desafio. Torna-se fundamental entender, portanto, como o trabalho escravo se manifesta contemporaneamente, fazendo dos migrantes um de seus alvos preferenciais. É para essa questão que converge a cartilha, que inclui ainda propostas de atividades que fomentam a discussão do tema da migração, divisando-a a partir da perspectiva dos direitos humanos.

Leia os depoimentos que permeiam o texto, aprofunde-se assistindo os filmes recomendados ou se informando nas fontes indicadas, indique a cartilha para alguém de que goste. É urgente dar um basta na xenofobia e cada um deve fazer a sua parte.

Cartas entre Marias: uma viagem à Guiné-Bissau – Por Virginia Maria Yunes e Maria Isabel Leite

O senso comum brasileiro parece habituado à ideia de que africanos migram para o país em busca de trabalho e de que não existe uma reciprocidade neste âmbito. Cartas entre Marias: uma viagem à Guiné-Bissau vem refrescar esse imaginário, no plano ficcional. Sua estrutura epistolar põe em evidência a necessidade de comunicação de uma família que deixou o Brasil rumo à Guiné-Bissau, para onde um de seus membros, um pesquisador, precisou se deslocar a trabalho. É uma história familiar? De fato, quem nunca foi um migrante pendular, aquele que continuamente vem e volta para a própria cidade/estado/país, de onde sai para trabalhar em outro local?

Enquanto emigrada, Ana Maria, a adolescente do grupo se corresponde com Maria Cristina, sua amiga e colega de escola que ficou no Brasil. As duas conversam sobre temas variados. Fazem referência às línguas faladas na Guiné-Bissau, para além do português; à organização do espaço neste país, pensando-se na estruturação de moradias, de escolas e de pontos de vendas de produtos alimentícios. Tratam da alimentação dos guineenses, tendo em conta os processos de cultivo, de compra e de preparo de alimentos; dos trabalho que realizam, focalizando a rotina de mulheres e de crianças, sem esquecer de considerar brincadeiras com que as últimas se envolvem. Até mesmo a estética e as artes locais, expressas em cortes de cabelo, penteados e roupas, na dança, na música, na escultura e na tecelagem são enfocadas pelas duas jovens interessadas.

Temos aí uma discussão construída com palavras, mas alicerçadas sobre fotografias impressionantes, tiradas por Yunes enquanto viveu na terra de Okimka Pampa e de Amílcar Cabral. Texto verbal e imagens trabalham juntos para mostrar ao leitor facetas de um país que, como qualquer outro, não pode ser devidamente expresso por indicadores econômicos, revelando, especificamente, uma pluralidade cultural capaz de oferecer uma outra dimensão para aquilo que entendemos por riqueza.

Abaixo, reproduzimos uma das fotografias de que mais gostamos do livro:

Boa leitura!

O segredo da Dinamarca, de Helen Russell

Helen Russell tem uma decisão a tomar depois que seu marido recebe uma oferta de trabalho dos sonhos, dos dele, enfatize-se. Mudaria-se com ele para a Dinamarca ou permaneceria na Inglaterra, em casa, onde tinha um emprego e uma rotina caótica? Helen optou pela mudança e levou consigo o espírito investigativo de que se investia, ocasionalmente, atuando como jornalista. Ela está determinada a descobrir o que faz dos dinamarqueses um povo tão feliz. Trata-se de descobrir como vivem, também para entender se ela própria poderá desfrutar dessa magia tão palpável para os nativos.

Viver por 12 meses em uma terra estrangeira permite a ela e ao marido descobrirem como tarefas aparentemente simples, como andar de bicicleta ou dispor de uma bandeira, são desempenhados de forma imprevistamente peculiar. A descoberta sobre o fascínio dos dinamarqueses por design, sobre como se relacionam com o trabalho e desfrutam de um original sistema educacional, sobre como gostam de tradições e se comprometem com um estado de bem-estar é compartilhada conosco graças a um processo que resulta da condução de entrevistas com especialistas, da leitura de artigos acadêmicos recentes bem como da vivência de Helen e do marido com dinamarqueses e com estrangeiros emigrados ou que estão de passagem na terra da Lego.

O impacto deste período na vida de Helen é sensível. E seguindo sua própria receita, a priori, uma receita dinamarquesa, ela faz o possível para que possamos nos aproveitar de concepções danesas mesmo que não tenhamos a oportunidade de viver na terra de Hans Christian Andersen. Como em um manual, você encontrará ao final de cada capítulo do livro uma síntese das experiência registradas por Helen e, no final do livro, uma lista que sugere 10 atitudes que podem nos ajudar a ter mais conforto e satisfação.

O segredo da Dinamarca - Capa

Vale a leitura!